FORMACAO-CONTINUADA-PARA-EDUCADORES-DO-CAMPO
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Edilânea Alves da Silva

UFRB/LEDOC, edilania@aluno.ufrb.edu.br

Leila Damiana Almeida dos Santos Souza

UFRB/LEDOC, leila.damiana@ufrb.edu.br,

Kleber Peixoto de Souz

UFRB/LEDOC, kleber.peixoto@ufrb.edu.br


Resumo

O objetivo deste artigo foi analisar a proposta de formação defendida na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e na Base Nacional Comum para a Formação de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), instrumentos normativos referentes ao currículo das escolas e à formação docente no Brasil, relacionando as possíveis consequências na formação de educadores para escolas do campo. Realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental sobre as recentes políticas de formação de professores no Brasil, evidenciando no estudo as “novas” Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica, que instituíram a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), documento homologado em 19 de dezembro de 2019, por meio da portaria n° 2.167. Identificamos que estas diretrizes provocam efeitos profundos para a educação, pois se trata de uma proposta de currículo com caráter pragmático e reducionista, que padroniza a formação através de competências com foco em habilidades práticas. Concluímos que a proposta da BNC-Formação se distancia de um projeto educativo que vise a uma formação crítica e emancipatória, propondo uma formação padronizada de educadores para as escolas do campo e uma formação homogênea, que apaga e ignora as diversidades socioculturais, produzidas historicamente no Brasil, negando as lutas e o reconhecimento das especificidades da diversidade dos sujeitos de direitos no país.

Introdução

O contexto da crise do capitalismo e a formação para um mercado competitivo de sustentação do capital têm mobilizado processos de reformas curriculares em vários países. No Brasil, essa discussão mobiliza interesses e provoca disputas em torno da definição de tipos e propostas de formação humana. As análises históricas e os estudos recentes sobre as políticas de formação docente destacam os retrocessos impostos por tais políticas, especialmente a partir da aprovação das “novas” Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica, bem como da instituição da Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica. As BNCs estão inseridas em um conjunto de propostas curriculares que incluem os Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes Curriculares Nacionais para diferentes níveis e modalidades de ensino, e a Base Nacional Comum Curricular, que vem sendo formuladas, implantadas e revisadas na realidade educacional brasileira nas últimas três décadas, a partir da emergência das concepções neoliberais neste campo social.

Segundo Fichter Filho, Oliveira e Coelho (2021), a trajetória das Diretrizes Curriculares Nacionais no campo da formação docente no Brasil foi se consolidando ao longo de um ciclo circunscrito por cinco governos (Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro), resultando em quatro (4) Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), baseadas em vários pareceres e resoluções, a saber:

  • DCN/2002 (Parecer CNE/CP no. 9/2001; Resolução CNE/CP no. 1/2002; Resolução CNE/CP no. 2/2002);
  • DCN/2015 (Parecer CNE/CP no. 2/2015; Resolução CNE/CP no. 2/2015);
  • DCN/2019 (Parecer CNE/CP no. 22/2019; Resolução CNE/CP no. 2/2019)
  • DCN/2020 (Parecer CNE/CP Nº: 14/2020; Resolução CNE/CP Nº 1/2020).

No ano de 2001, foi publicado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) o Parecer CNE/CP nº 9/2001. O documento possui um conjunto de diretrizes voltado para a formação de professores. Sustentado por esse parecer, o CNE instituiu a Resolução CNE/CP 2/2002, essas DCNs trouxeram uma nova perspectiva para a formação de professores, visando superar o modelo conhecido como “3 + 1”, onde dentro dos cursos superiores de licenciatura eram priorizados conteúdos específicos durante um período de 3 anos e acrescentava-se um 1 ano para se trabalhar disciplinas do campo pedagógico. Apesar da possibilidade de avanço, essas DCNs de 2002 não contemplaram todas as demandas, cedendo aos interesses das instituições privadas. Segundo Freitas (2002), trouxeram uma perspectiva de formação aligeirada, pautada no desenvolvimento de competências e habilidades.

Em 2015, a CNE definiu novas DCNs para a formação de professores por meio da Resolução CNE/CP nº 2/2015, substituindo as DCNs de 2002. Essa resolução foi edificada com participação dos movimentos dos educadores, onde foram ouvidas entidades e associações do campo educacional, definindo as diretrizes para a formação em nível superior em cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e curso de segunda licenciatura.

Diante de conturbações no cenário político brasileiro, em 2017 foi adiada a adequação das licenciaturas às DCNs de 2015, e no mesmo ano o MEC apresentou uma nova política nacional de formação de professores. Esta proposta foi elaborada sem envolvimento dos movimentos dos educadores e ignora a necessidade de articulação entre formação e valorização da profissão.

Em 2019, o Parecer CNE/CP 22 embasou a instituição de novas DCNs para formação de professores, por meio da Resolução CNE/CP 2/2019. Esta resolução se baseou em competências e habilidades, desvalorizando a autonomia do profissional docente. Reforçando a 02/2018, em 2020 foi instituída a Resolução CNE/CP 1/2020, que dispõe de DCNs voltadas para a formação continuada de professores da educação básica.

Ao perpassarmos pelo contexto educacional e diante do cenário contemporâneo, identificamos várias questões. Esta problemática educacional está ligada a um panorama mais amplo de crise política, financeira, institucional e cultural, que afeta a formação de professores. Percebe-se um retrocesso nas Diretrizes Curriculares Nacionais de formação de professores com a Resolução 2/2019, pois essa resolução se fundamenta nas competências e habilidades da BNCC da educação básica, ao invés de teorias que primam pelo desenvolvimento teórico-científico. Diante disso, percebe-se a necessidade de críticar a racionalidade técnica instrumental da educação.

As orientações das diretrizes atuais rompem com os elementos estratégicos de algumas ações formativas elaboradas por educadores e movimentos sociais, mediante vários embates. Dentre elas, podemos destacar o Programa Nacional de Educação do Campo, bem como experiências educativas dos povos do campo e das águas.

Nesse sentido, este artigo foi originado a partir da pesquisa em andamento intitulada “A formação continuada para educadores do campo: as implicações da BNC-Formação nos projetos educativos das escolas campesinas”. Esta pesquisa está inserida no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Cientifica – PIBIC/FAPESB/CNPq na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, proposta a partir da abordagem de natureza qualitativa, valendo-se da metodologia da pesquisa bibliográfica com enfoque na análise documental.

Sabemos que a formação de professores é estratégica para a implementação de qualquer proposta educacional (Evangelista et al., 2019). Portanto, a formação de professores para as escolas do campo se insere numa perspectiva de formação com especificidades que permitem identificar sua inserção nas disputas e contradições que perpassam a formação humana nos tempos atuais. Assim, está claro, neste processo, que a formação dos professores para as escolas do campo não está fora dessa disputa; pelo contrário, essa disputa está na própria origem da Educação do Campo como proposição de um ideário educacional que busca fundamentar nas suas concepções e anseios as experiências históricas dos trabalhadores e suas organizações. Portanto, diante dos ataques e retrocessos que vêm sofrendo essas ações formativas, faz-se necessário reconhecer os desafios postos nesse novo cenário político, para avançarmos com essas e outras ações nas escolas do campo e das águas.

Neste contexto, a pesquisa teve como objetivo analisar a proposta de formação defendida na Base Nacional Comum para a Formação de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), relacionando as possíveis consequências na formação de educadores para escolas do campo. Neste sentido, a investigação tem buscado identificar e reconhecer os fundamentos da estrutura didático-pedagógica e curricular (base de conhecimento da formação) sobre as quais se apoiam os projetos formativos demandados pela Educação do Campo, em confronto com as orientações prescritas na reforma curricular proposta pelo MEC, representada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cujos conteúdos e justificativas apontam um perfil docente e trazem à tona alguns elementos básicos da profissão.

BNC-Professores é baseada em três eixos que vão nortear a formação inicial e continuada dos docentes de todo o país: conhecimento, prática e engajamento. No conhecimento, o professor deverá dominar os conteúdos e saber como ensiná-los, demonstrar conhecimento sobre os alunos e seus processos de aprendizagem, reconhecer os diferentes contextos e conhecer a governança e a estrutura dos sistemas educacionais.


Já no eixo da prática, o professor deve planejar as ações de ensino que resultem na aprendizagem efetiva, saber criar e gerir ambientes de aprendizagem, ter plenas condições de avaliar a aprendizagem e o ensino, e conduzir as práticas pedagógicas dos objetos do conhecimento, competências e habilidades previstas no currículo.


No terceiro e último eixo está o engajamento. É necessário que o professor se comprometa com seu próprio desenvolvimento profissional, com a aprendizagem dos estudantes e com o princípio de que todos são capazes de aprender. Também deve participar da elaboração do projeto pedagógico da escola e da construção de valores democráticos. Além de ser engajado com colegas, famílias e toda a comunidade escolar (Ministério da Educação, 2018, p.).

Nesse sentido, o presente texto apresenta a análise desta pesquisa e se divide em duas partes: a primeira apresenta a síntese da metodologia utilizada, evidenciando os instrumentos e procedimentos relacionando à contextualização, constituição e elaboração desses documentos; e a segunda apresenta a percepção das pesquisadoras e do pesquisador, autoras e autor deste texto, com base nos estudos e análises que a diretriz impõe na tentativa de padronização do currículo e do trabalho docente nas escolas do campo.

Referências

Diante da necessidade de realização da investigação, optamos pela abordagem qualitativa que nos permitisse realizar a pesquisa com instrumentos de compreensão detalhada, em profundidade, dos fatos que seriam investigados. Assim, o método escolhido foi a pesquisa bibliográfica que, na visão de Oliveira (2008), corresponde a uma modalidade de estudo e de análise de documentos de domínio científico, sendo sua finalidade o contato direto com apontamentos relativos ao tema em estudo que já tenha recebido tratamento analítico. Utilizamos também a análise documental, compreendida como um “procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos” (Sá-Silva, Almeida e Guindani, 2009, p. 5). Os procedimentos metodológicos combinaram métodos e técnicas necessários ao alcance dos objetivos da pesquisa. Assim, foi desenvolvida uma revisão teórica visando aprofundar a discussão do tema de estudo, seus avanços, transformações e limites. Nosso recorte histórico é a década de 1990, cujo foco das reformas educacionais situa-se, dentre outros, na formação de professores. Realizamos uma análise documental que se relacionou aos dispositivos legais que implicaram diretamente na reconversão do processo de formação de professores continuada.

Seguindo a metodologia no decorrer da pesquisa, realizamos o levantamento dos artigos que subsidiaram a pesquisa bibliográfica, a partir de uma busca realizada dentro de diferentes plataformas de publicações cientificas como: Google Acadêmico, Portal de Periódicos da CAPES, Scielo e Plataforma Sucupira, filtrando as produções encontradas mantendo apenas periódicos classificados nos estratos A e B1 no Qualis CAPES, sobre temática utilizando os seguintes descritores: BNC-formação, formação continuada, educadores do campo, escolas campesinas. Com base nos descritores, foram selecionados e analisados sete trabalhos descritos no quadro a seguir:

Quadro 1 – Título da produção, revista, Qualis CAPES e ano de publicação

Título da produçãoRevistaQualis CAPESAno de publicação
Formação de professores do campo frente às “novas/velhas” politicas implantadas no Brasil: ré:existência em debate.Revista Eletrônica de Educação (São Carlos)A22020
BNCC e BNC-Formação: consequência na
formação de professores para as escolas do
campo.
Roteiro (UNESC)A22022
Formação de professores e professoras e
educação do campo no Brasil: do movimento
à escola.
Revista Praxis e Saber: Maestria em EducacionA22022
Formação de professores do campo em
municípios da Bahia.
Revista Tempos e Espaços em Educação (online)A32023
Formação continuada de professores
articulados aos princípios da educação do
campo: com a palavra os formadores de
professores.
Revista Cocar (onlineA22020
Tensões e embates na formação docente
perspectiva histórica e análise crítica da BNC-
formação e BNC-formação continuada.
Olhar de Professor (UEPG Impresso)B12022
BNC-formação e formação continuada de
professores.
Politica Gestão Educacional (Online).A32021
Fonte: Elaboração dos autores, 2024.

Quadro 2 – Título do artigo, autoria, problema de pesquisa e metodologia

Título do artigoAutoriaProblema de PesquisaMetodologia
Formação de professores do campo frente às “novas/velhas” políticas implementadas no Brasil: r-existência em debateHellen do Socorro de Araújo Silva; Maura Pereira dos Anjos; Mônica Castagna Molina; Salomão Antônio Mufarrej Hage.Políticas, Gestão e Direito à Educação Superior: novos modos de Regulação e tendências em construçãoO método da pesquisa utilizado foi Estudos bibliográficos das Resoluções Nº 02/2015 e Nº 02/2019 e dos manifestos das entidades científicas nacionais da formação docente.
BNCC e BNC- Formação: consequências na
formação de professores para as escolas do campo
Mauro TittonReflexões coletivas no âmbito dos movimentos sociais acerca das consequências da BNCC e da BNC-Formação sobre a formação dos professoresPesquisa qualitativa e de análise documental.
Formação de professoras e professores e educação do campo no Brasil: do movimento à escolaFernando José MartinsIndissociabilidade entre a formação inicial e a formação continuada, e sua colaboração para a modalidade de EDC no BrasilRevisão de literatura e uma pesquisa em fontes primárias documentais atreladas ao processo de observação e pesquisa participantes
Formação de professores do
campo em municípios da Bahi
Arlete Ramos dos SantosO Programa de Formação de Educadores do Campo (Formacampo), o qual tem como objetivo central realizar atividades de extensão, mediante a formação continuada dos profissionais que atuam na Educação do Campo, em escolas municipais dos Territórios de IdentidadeA metodologia utilizada foi qualitativa e os dados foram coletados por meio de pesquisa participante, questionário e análise de documentos
Formação continuada de professores
articulados aos princípios da educação do
campo: com a palavra os formadores de
professores.
Maria Joselma do Nascimento, Franco Amanda Rafaela Vieira CostaAnalisamos como a formação continuada dos professores do campo se articula aos seus princípiosAnálise documental e entrevista para produção dos dados
Tensões e embates na formação docente
perspectiva histórica e análise crítica da BNC-
formação e BNC-formação continuada.
Luiz Gustavo Tiroli, Adriana Regina de JesusAnalisar criticamente as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada de professores para a educação básica e suas implicações para o ser e fazer docenteA técnica de pesquisa é a revisão bibliográfica e documental
BNC-formação e formação continuada de
professores.
Adrinelly Lemes Nogueira, Maria Célia BorgesReflexão sobre a nova BNC-Formação e seus possíveis impactos na formação continuada de professoresPesquisa bibliográfica e análise documental
Fonte: Elaboração dos autores, 2024.

Estudos realizados dos artigos acima citados mostram que a profissão docente necessita de uma formação profundamente crítica, teórica, cultural e científica, em uma perspectiva independente, autônoma, pluralizado e democrática. No entanto, no decorrer do estudo percebe-se uma perspectiva contrária no contexto atual, diante das resoluções impostas a essa profissão. Afinal, documentos que deveriam nortear e subsidiar de forma positiva essa profissão se transformaram em um campo de tensões, embates e conflitos políticos, pedagógicos, sociais, culturais e teóricos. Ou seja, esses documentos implicam e são implicados na realidade posta.

Frente a essa percepção, nota-se que essa nova concepção de ensino e formação consiste em um mecanismo de educação que fragmenta os princípios e restringe a formação docente inicial e continuada. Ainda é alinhada a uma estreita reprodução de competências e habilidades imposta por uma resolução que apaga e ignora as diversidades socioculturais e territoriais, negando as especificidades dos sujeitos. Assim, dentro desse esquema, disponibilizam aos professores um plano de aula pronto, contendo os conteúdos e aprendizagens que precisam ser ensinadas, determinando também o tempo para o desenvolvimento destes dentro da sala de aula, retirando dessa forma a autonomia do professor. Visa-se, com tudo isso, um ciclo de construção de sujeitos para atender às demandas do mercado capitalista, numa sociedade dividida entre a classe trabalhadora, que fica restrita a executar tarefas e desenvolver os trabalhos, e a classe mais abastada, que poderá ter acesso aos conhecimentos para, então, poder nos conduzir e manipular.

Perpassando as leituras, torna-se possível analisar e problematizar esse processo educacional. Faz-se necessário o enfrentamento de forma organizada visando o desmonte dessas políticas impostas. Afinal, o trabalho pedagógico necessita de condições institucionais e políticas inovadoras (Silva et al., 2020).

Para chegarmos a essa análise, enfatizamos também nesta ação o estudo de alguns documentos, tais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Base Nacional Comum para a Formação de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), além de outros documentos normativos que oferecem um histórico do surgimento de cursos para a formação de professores para as escolas do campo. A saber: Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015; Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019; Resolução CNE/CP Nº 1, de 27 de outubro de 2020, que orientam a política de formação inicial e continuada de professores.

Resolução Nº 2, de 1º de julho DE 2015 – Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.

Resolução CNE/CP Nº 2, de 20 de dezembro de 2019 – Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação).

Resolução CNE/CP Nº 1, de 27 de outubro de 2020 – Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada).

Referências

Sabe-se que o professor, dentro da sociedade, é visto como agente transformador da realidade. Todavia, ele nem sempre consegue desempenhar esse papel, pois as circunstâncias e o contexto nos quais está inserido interferem de forma direta no desenvolvimento do seu trabalho, fazendo com que ele possa, e tenha sido historicamente, um agente reprodutor do que lhe é estabelecido.

Diante da perspectiva de transformação, sua formação necessita ser profundamente critica, teórica, cultural e cientifica, obtendo uma perspectiva emancipatória, pluralizada, autônoma e democrática. No entanto, ao realizar a pesquisa bibliográfica sobre a política de formação, percebe-se que o documento de CNE/CP n° 02/2019, imposto à formação docente, representa um projeto de formação que contraria frontalmente os interesses educacionais. O mesmo vai totalmente contra essa perspectiva do papel de educador crítico, especialmente para os educadores do campo, que defendem uma proposta de educação humanizada, que visa à formação dos sujeitos e a valorização do espaço e tempo no qual estão inseridos.

Roselli Caldart salienta que:

A Educação do Campo não nasceu como teoria educacional. Suas primeiras questões foram práticas. Seus desafios atuais continuam sendo práticos, não se resolvendo no plano apenas da disputa teórica. Contudo, exatamente porque trata de práticas e de lutas contra hegemônicas, ela exige teoria, e exige cada vez maior rigor de análise da realidade concreta, perspectiva de práxis. Nos combates que lhe têm constituído, a Educação do Campo reafirma e revigora uma concepção de educação de perspectiva emancipatória, vinculada a um projeto histórico, às lutas e à construção social e humana de longo prazo. Faz isso ao se mover pelas necessidades formativas de uma classe portadora de futuro. (Caldart, 2012, p. 264).

“A BNCC da Educação Básica traz dez competências gerais que devem ser desenvolvidas pelos estudantes […]. Essas competências estabelecem um paradigma que não pode ser diferente para a formação docente.” (Resolução CNE/CP Nº 2, 2019, p. 15). Ou seja, a BNCC apresenta reformulações significativas que comprometem em tudo na atuação do professor, desde a instrumentalização docente, a metodologia que será desenvolvida em sala, como deve ser estruturado o componente, qual material didático será utilizado w a forma de avaliação que será adotada. A BNCC tem o intuito de garantir equidade e qualidade de educação utilizando uma única orientação de currículo para todas as escolas. Todavia, essa proposta acaba por não reconhecer as especificidades dos alunos, não contempla seus conhecimentos prévios, sociais e culturais e retira deles a autonomia, privando-os de desenvolver o pensamento crítico. Esse currículo tem como principal fundamento a formação voltada para o exercício da cidadania, visando como principal objetivo o controle da formação da classe trabalhadora. Nessa conjuntura, idealiza-se a necessidade de um educador “capacitado” apto a concretizar o que estipula a BNCC, a formação de um “novo cidadão”. Nessa perspectiva, cria-se a proposta da BNC-Formação, onde se pensou em um currículo de formação de licenciatura básica baseado no desenvolvimento de competências alinhadas à BNCC do ensino fundamental, idealizando uma formação docente aligeirada, precarizada e sem a devida fundamentação teórica, dissociadora da teoria e da prática. Institui-se, assim, um educador capacitado e treinado para colocar em pratica não apenas as dez competências gerais, mas também para tornar viável um modelo de educação voltado para o capitalismo.

No momento atual, os professores, de maneira geral, estariam sendo preparados para atuar como intelectuais orgânicos da nova pedagogia da hegemonia, sendo submetidos a processos aligeirados de formação, incapazes de oportunizar tempo e espaço para uma formação omnilater

substituída por uma formação fragmentada, excessivamente focada na prática, desprovida de uma adequada fundamentação teórica e, pior, apartada da necessária formação de valores que devem integrar a formação docente” (Neves, 2013 apud Molina et al. 2015, p.).

A Resolução CNE/CP nº 02/2019 traz que:

Art. 2º A formação docente pressupõe o desenvolvimento, pelo licenciando, das competências gerais previstas na BNCC-Educação Básica, bem como das aprendizagens essenciais a serem garantidas aos estudantes, quanto aos aspectos intelectual, físico, cultural, social e emocional de sua formação, tendo como perspectiva o desenvolvimento pleno das pessoas, visando à Educação Integral. (p.)

Art. 3º Com base nos mesmos princípios das competências gerais estabelecidas pela BNCC é requerido do licenciando o desenvolvimento das correspondentes competências gerais docentes. Parágrafo único. As competências gerais docentes, bem como as competências específicas e as habilidades correspondentes a elas, indicadas no Anexo que integra esta Resolução, compõem a BNC – Formação. (p.).

A Resolução CNE/CP 02/2019 se organiza em três eixos formativos:

Art. 4º As competências específicas se referem a três dimensões fundamentais, as quais, de modo interdependente e sem hierarquia, se integram e se complementam na ação docente. São elas:

I – conhecimento profissional;

II – prática profissional; e

III – engajamento profissional.

§ 1º As competências específicas da dimensão do conhecimento profissional são as seguintes:

I – dominar os objetos de conhecimento e saber como ensiná-los;

II – demonstrar conhecimento sobre os estudantes e como eles aprendem;

III – reconhecer os contextos de vida dos estudantes; e

IV – conhecer a estrutura e a governança dos sistemas educacionais.

§ 2º As competências específicas da dimensão da prática profissional compõem-se pelas seguintes ações:

I – planejar as ações de ensino que resultem em efetivas aprendizagens;

II – criar e saber gerir os ambientes de aprendizagem;

III – avaliar o desenvolvimento do educando, a aprendizagem e o ensino; e

IV – conduzir as práticas pedagógicas dos objetos do conhecimento, as competências e as habilidades.

§ 3º As competências específicas da dimensão do engajamento profissional podem ser assim discriminadas:

I – comprometer-se com o próprio desenvolvimento profissional;

II – comprometer-se com a aprendizagem dos estudantes e colocar em prática o princípio de que todos são capazes de aprender;

III – participar do Projeto Pedagógico da escola e da construção de valores democráticos; e

IV – engajar-se, profissionalmente, com as famílias e com a comunidade, visando melhorar o ambiente escolar. (p. )

Frente a esses eixos, fica explicito quais profissionais eles querem formar: precisam de profissionais que agreguem e expandam o mercado capitalista, professores treinados e condicionados às novas atividades que deverão desenvolver para a construção de sujeitos submissos. A Resolução CNE/CP 2/2019 propõe como política de formação docente difundir uma formação homogênea, que apaga e ignora as diversidades socioculturais produzidas historicamente no Brasil, negando as lutas e reconhecimento das especificidades da diversidade dos sujeitos de direitos no país.

Estas questões da diversidade são abordadas nas DCNs de 2019 somente no Art. 16, em seu parágrafo único, quando cita as modalidades educacionais ligadas à diversidade, que dispõe:

Art.16. As licenciaturas voltadas especificamente para a docência nas modalidades de Educação Especial, Educação do Campo, Educação Indígena, Educação Quilombola, devem ser organizadas de acordo com as orientações desta Resolução e, por constituírem campos de atuação que exigem saberes específico e práticas contextualizadas, devem estabelecer, para cada etapa da Educação Básica, o tratamento pedagógico adequado, orientado pelas diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE). (p.)

Parágrafo único. As licenciaturas referidas no caput, além de atender ao instituído nesta Resolução, devem obedecer às orientações específicas estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais de cada modalidade, definidas pelo CNE. (p.).

Numa perspectiva contrária, o curso de licenciatura e Educação do Campo não adere à concepção das políticas educacionais voltadas para o capitalismo. O curso LEDOC busca formar educadores críticos e autônomos que priorizam a formação humana e que se colocam como agentes participativos e transformadores da sua realidade. Consideram o universo cultural, aperfeiçoam e valorizam saberes construídos com experiências de vida e utilizam sua profissão como ferramenta de transformação, encorajando a busca por protagonismo e direitos como cidadãos, visando sempre construir um novo projeto de desenvolvimento para o país.

“A educação escolar, como parte de uma ação educacional mais ampla, assume nessa luta, a função de uma ferramenta necessária para contribuir nos processos de organização de uma nova sociedade. Uma educação capaz de produzir aprendizagem de teorias e práticas que auxiliem na construção de novos sujeitos, de uma nova escola e de uma nova sociedade”. (Molina; Antunes- Rocha, 2014, p.).

Diante dessa concepção, evidencia-se que a educação brasileira necessita urgentemente da revogação da Resolução 02/2019, pois a mesma rompe com a concepção e os princípios da Base Comum Nacional para a Educação Básica e para a formação de professores edificada pelo movimento dos educadores, materializada na Resolução

02/2015, que precisa ser retomada para reverter esse retrocesso que retoma concepções ultrapassadas de formação restrita a habilidades e competências, visando uma formação tecnicista.

Essa pesquisa aponta um descaso com a profissão docente, onde se descentraliza uma formação crítica, autônoma e emancipadora e se aproxima cada vez mais de uma perspectiva de interesses neoliberais que propaga uma educação rígida, arbitrária e padronizada, sintonizada com o sistema capitalista que visa apenas o mercado de trabalho. Uma formação voltada para a empregabilidade, onde se estabelecem concorrências visando quem serão os profissionais mais preparados e treinados para desenvolver uma metodologia de ensino bancário.

Diante destes dilemas, surge uma frente nacional pela revogação das Resoluções CNE/CP 02/2019 e CNE/CP 01/2020, que possuem um panorama do sucateamento da formação de professores responsável pelo desmonte dos currículos, gerando desvalorização dos projetos de emancipação das escolas públicas e campesinas. A revogação está em pauta e os caminhos apontam para um desfecho positivo.

Estudos apontam para uma possível retomada da Resolução CNE/CP 02/2015, em busca de uma formação de professores crítica e emancipatória, repudiando normativos e mecanismos que desqualifiquem e descaracterizem os cursos de licenciatura. No âmago dos cursos voltados para a formação de educadores do campo, destaca-se como principal finalidade formar profissionais que estejam comprometidos com o desenvolvimento de um currículo que aborde o conhecimento cientifico de forma contextualizada, que respeite e valorize as especificidades dos sujeitos do campo, de modo que aborde e reconheça os conhecimentos tradicionais e as experiências de vida, de trabalho e de produção coletiva que os sujeitos do campo, das águas e das florestas têm acumulado ao longo da sua existência.

Referências

A pesquisa nos alerta que as resoluções impostas à formação docente precisam ser reajustadas, afinal, essas normativas vêm cada vez mais aniquilando as possibilidades de transformação e desenvolvimento da educação do campo. Os resultados indicam que precisamos estar atentos para as próximas mobilizações relacionadas à retomada da Resolução CNE/CP 02/2015. Com os estudos realizados, sinalizamos que o currículo prescrito traz implicações não apenas na ordenação do sistema educativo e na estruturação institucional, mas também nas práticas docentes e na formação de professores.

Referências

Araújo Silva, H. S., et al. (2020). Formação de professores do campo frente às “novas/velhas” políticas implementadas no Brasil: r-existência em debate. Revista Eletrônica de Educação, 14, e4562146-e4562146. http://doi.org/10.14244/198271994562

Caldart, R. S., et al. (Orgs.). (2012). Dicionário de Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular. http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/saltofuturo_eja_set2004_progr4.pdf

Evangelista, O., et al. (2019). Desventuras dos professores na formação para o capital. Campinas: Mercado de Letras.

Fichter Filho, G. A., Oliveira, B. R., & Coelho, J. I. F. (2021). A trajetória das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação docente no Brasil: uma análise dos textos oficiais. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, 16(esp.1), 940–956. https://doi.org/10.21723/riaee.v16iEsp.1.14930

Martins, F. J. (2022). Formação de professoras e professores e educação do campo no Brasil: do movimento à escola. Praxis & Saber, 13(33), e13211-e13211. https://doi.org/10.19053/22160159.v13.n33.2022.13211

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