Contribuciones de la Pedagogía Histórico-Crítica en la educación rural
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Deise Soraia Marta de Souza Galvão1

Karina de Oliveira Santos Cordeiro2

Resumo:

Este artigo analisa as contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) para a Educação Infantil do Campo (EIC), com vistas à identificação das suas potencialidades para o ensino de crianças sob a perspectiva crítico-emancipadora. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, desenvolvida por meio de entrevistas semiestruturadas, da aplicação de oficinas e participação em lives formativas sobre a EIC e as classes multisseriadas. Por tratar-se de estudos sobre a PHC, aproximamos a pesquisa do Materialismo Histórico-Dialético, por ser um método que remete ao princípio lógico e ao movimento do real, favorecendo uma análise mais ampla e aprofundada do objeto de pesquisa. As categorias presentes nesse trabalho se articulam em ressaltar questões para uma reflexão crítica a partir das falas de professoras das classes multisseriadas sobre a oferta de qualidade para as crianças do campo da cidade de Amargosa. Os resultados evidenciam a necessidade em defender a manutenção das classes multisseriadas não apenas pela sua grandeza nas possibilidades de interlocuções entre os sujeitos que fazem parte delas, mas sobretudo pela garantia da permanência das crianças em escolas no campo.

Palavras-chave: classes multisseriadas; educação do Campo; formação de professores; educação Infantil; pedagogia Histórico-Crítica

Introdução

Este artigo apresenta um recorte do resultado de uma pesquisa de mestrado em Educação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), realizada com professoras que atuam no grupo de escolas pertencentes ao Núcleo Administrativo 02, composto pelas seguintes escolas municipais: Deolinda Maia Sales, Artur de Almeida Passos, Dr. Armando da Silva Libório, Professor Edelzuito Soares e Edvaldo Machado Boaventura, localizadas nas comunidades rurais de Mata das Covas, Tabuleiro da Lagoa Queimada, Três Lagoas, Olhos D’água da Jaqueira e Diógenes Sampaio, respectivamente, no município de Amargosa, Bahia, Brasil.

Tal pesquisa objetivou analisar as contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) para a Educação Infantil do Campo (EIC), com vistas à identificação das suas potencialidades para o ensino de crianças sob a perspectiva crítico-emancipadora, guiada pela seguinte pergunta: Como a Pedagogia Histórico-Crítica pode potencializar o ensino de crianças pequenas em um núcleo escolar do campo, no município de Amargosa, Bahia?

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último censo demográfico, a cidade de Amargosa possui uma população de 36.521 habitantes, dos quais 3.221 são crianças no grupo da primeira infância (0 a 6 anos). Apesar de a grande maioria desses habitantes residir na zona urbana, o município tem uma forte ligação com a lida do trabalho com a terra, que foi base de sua formação social, histórica e econômica.

A pesquisa foi realizada com cinco professoras das escolas supracitadas, a fim de refletir sobre os desafios de trabalhar em classes multisseriadas de Educação Infantil do Campo. Para preservar a identificação dos sujeitos da pesquisa e para de garantir os preceitos éticos da pesquisa, utilizou-se a identificação de Profa. 1; Profa. 2; Profa. 3; Profa. 4; Profa. 5. Dentre estas, três eram responsáveis por turmas exclusivas de Educação Infantil e as outras duas, por turmas de Educação Infantil no contexto das classes multisseriadas.

No que diz respeito à Educação Infantil no contexto das classes multisseriadas, a regulamentação legal preconiza no art. 3º § 2º da Resolução n.º 2 de 28 de abril/2008 que “Em nenhuma hipótese serão agrupadas em uma mesma turma, crianças de Educação Infantil com crianças do Ensino Fundamental” (p. 2). Contudo, essa organização ainda se configura como uma possibilidade muito recorrente, dada a baixa concentração populacional das áreas rurais. Foi esta realidade objetiva que nos impulsionou a não deixar as professoras das turmas de Educação Infantil no contexto das classes multisseriadas fora desta pesquisa. No caso específico do Núcleo 02, estas chegam a um percentual significativo, atingindo quase 50% do total de turmas.

Seguindo uma abordagem qualitativa, a pesquisa foi desenvolvida por meio de entrevistas semiestruturadas; da aplicação de oficinas e participação em lives formativas sobre a EIC e as classes multisseriadas. Além disso, as professoras colaboradoras da pesquisa participaram de grupo de estudo sobre a PHC e, por fim, realizamos encontros individualizados com as docentes para sistematização dos momentos formativos.

Por tratar-se de estudos sobre a PHC, aproximamos a pesquisa do Materialismo Histórico-Dialético, por ser um método que remete ao princípio lógico e ao movimento do real, favorecendo uma análise mais ampla e aprofundada do objeto de pesquisa. Nesse sentido, aprofundamos nossos estudos em (Saviani, 2008/2013/2019); Marsíglia (2011); Martins (2013); Martins e Marsíglia (2014, 2015); Malanchen (2020); Taffarel (2016); Caldart (2020); Silva (2018), dentre outros.

O artigo apresenta esta introdução, seguida de uma reflexão sobre o contexto das classes multisseriadas que contemplam as crianças da Educação Infantil. Posteriormente, traz os dizeres das professoras sobre o trabalho de docência com essas turmas, culminando nas considerações finais.

Alinhavos da prática educativa

A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica no sistema educacional brasileiro desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB) n.º 9394/96. Pode-se observar que no artigo 29 da lei supracitada é assegurado às crianças o desenvolvimento integral até os seis anos de idade nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, tudo isso em complementariedade com a família e a comunidade que elas estão inseridas.

Nesse sentido, observou-se em nossa pesquisa, os elementos discutidos tanto a partir da LDB, quanto das orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). Desse modo, as categorias presentes nesse trabalho se articulam em ressaltar questões para uma reflexão crítica a partir das falas de professoras das classes multisseriadas sobre a oferta de qualidade para as crianças do campo da cidade de Amargosa.

As DCNEI se constituem em um documento orientador das políticas públicas para elaboração, planejamento, execução e avaliação dos projetos pedagógicos das instituições de Educação Infantil. Segundo este documento, é preciso a observância das legislações tanto estaduais como também municipais durante o processo de construção das propostas (Resolução nº 5, 2009). Além disso, as diretrizes trazem discussões teóricas sobre a concepção de criança e de currículo. Sobre a discussão de criança, reconhece que ela é sujeito do processo de desenvolvimento, ao mesmo tempo que demarca a capacidade de construir sua identidade nas relações sociais. A respeito do currículo, as DCNEI afirmam ser preciso ocorrer uma articulação entre os conhecimentos que as crianças já possuem com aqueles já construídos socialmente, para que de fato as crianças tenham o seu desenvolvimento integral garantido.

Desse modo, os princípios éticos, políticos e estéticos das propostas pedagógicas da Educação Infantil devem garantir a construção da autonomia para o exercício da cidadania e da criticidade, sem perder de vista a perspectiva lúdica do processo de aprendizagem (Resolução nº 5, 2009).

Sobre a elaboração das propostas pedagógicas para as crianças e as infâncias do campo, as DCNEI orientam que sejam observadas a diversidade de crianças e infâncias nesses contextos, pois a realidade das crianças difere a partir das experiências formativas. Nesse sentido, a localização geográfica em que elas residem diz muito a seu respeito. Temos realidades diversas entre as crianças filhas de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, povos da floresta e das águas. Por esse motivo, é preciso respeitar as identidades infantis desses territórios rurais, proporcionando a sua vinculação cultural a partir de práticas sustentáveis que contribuam para seu desenvolvimento integral.

A partir da diversidade de territórios que abrangem a Educação do Campo e pensando nas representações das múltiplas infâncias nesses contextos, optamos por discutir neste trabalho a organização das classes em turmas multisseriadas. Essa escolha se justifica na compreensão de que muitas vezes é a única organização possível para as crianças da Educação Infantil nos espaços formais de Educação.

Sinônimo de uma realidade concreta, as classes multisseriadas ou escolas de classes multisseriadas no sistema educacional brasileiro são turmas compostas por alunos de diversos níveis de aprendizagem e idades. Heterogêneas e diversas por sua própria natureza, estas se constituem como principal lugar para crianças e adolescentes do campo adentrarem ao mundo escolar no Brasil e em diversas partes do mundo.

Caracterizadas muitas vezes pela presença de apenas um docente nas classes multisseriadas, cuja responsabilidade ultrapassa os limites do magistério, e por terem uma infraestrutura inadequada, essas turmas/escolas representam, em termos quantitativos, uma grande parcela das matrículas rurais brasileiras. Pode-se afirmar que atualmente, sobretudo no Norte e no Nordeste brasileiro, há um expressivo potencial social para as comunidades rurais no processo de escolarização dos filhos e filhas dos trabalhadores do campo, tendo a sua organização legitimada pelo Art. 23 da LDB n.º 9394/96:

Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (p. 9 ).

Infelizmente, a opção por essa organização esbarra na ausência de condições políticas para se formar turmas seriadas, bem como pela baixa quantidade de alunos, e não pela possibilidade flexível e aberta em se trabalhar com os ciclos de aprendizagem, com as experiências colaborativas e com a grupalização dos alunos. Nesse sentido, cabe destacar a diferença entre grupo e agrupamento.

Segundo Makarenko (1977), como citado por Martins e Marsíglia (2014), entende-se por grupo:

(…) pessoas em interação num espaço e tempo, agindo e reagindo a uma série de situações semelhantes visando o atendimento de necessidades compartilhadas. Tais necessidades, indubitavelmente, encerram conteúdos particulares, expressos nas expectativas, nos objetivos, significados e sentidos atribuídos pelos indivíduos ao grupo de sua pertença, como também, conteúdos coletivos expressos na razão social de existência daquele grupo específico. O processo de grupalização compreende o entrelaçamento de tais conteúdos. (Martins e Marsíglia, 2014, p. 185).

Já o agrupamento, é composto por sujeitos que compartilham um mesmo espaço e tempo com um objetivo comum, mas para atingir o objetivo não se faz necessário que eles tenham interações entre si, pois no agrupamento as ações dos indivíduos são guiadas “pelos conteúdos particulares de suas necessidades e por isso, neles, cada qual pode estar ‘solitariamente acompanhado” (Martins e Marsíglia, 2014, p. 185).

O Estado brasileiro, durante muito tempo, não se interessou por esse tipo de organização escolar, existindo poucas políticas públicas para este fim. Na maioria das vezes, essas turmas/escolas são frequentemente vistas como um mal a ser combatido, uma “praga a ser exterminada”. Ao invés de desenvolver políticas de formação de professores, de produção de materiais didáticos apropriados ao contexto da multissérie, de proporcionar construção de prédios escolares com arquitetura mais apropriada a esta forma de configuração curricular, de valorização e remuneração dos profissionais que atuam nestas classes, o Governo Federal possibilita o fechamento destas escolas, por meio do incentivo à política de deslocamento dos alunos da roça para as escolas da cidade (Santos e Moura, 2010) e também pela realização da nucleação escolar. Santana e Santos (2023) informam que:

Segundo levantamento do Laboratório de Dados Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no ano de 2010 havia no Brasil cerca de 72.770 (setenta e dois mil setecentos e setenta) estabelecimentos na rede pública de ensino em dependências municipais, localizadas nas áreas rurais do país. Contudo, os resultados do ano de 2020, mostram registros de 48.407 escolas em funcionamento, o que resulta no fechamento de 24.363 escolas em espaços rurais nesse período (Santana e Santos, 2023, p. 29).

Observa-se o fechamento de quase metade do número de escolas no período de dez anos, sendo que a maioria delas atendiam crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental das séries iniciais em turmas multisseriadas. O levantamento mais atualizado, organizado pelo MEC em dezembro de 2023, revela a quantidade de turmas multisseriadas em escolas públicas no ano de 2020. Pode-se constatar que mesmo após um massivo fechamento nos últimos anos, as classes multisseriadas ainda se constituem como o modelo majoritário, como se pode observar no Quadro 1, em áreas rurais, quilombolas, terras indígenas e de assentamento, reforçando assim a sua importância de manutenção nestes espaços.

Quadro 1 – Escolas Públicas em 2020 com classes multisseriadas

TotalTurmas multisseriadasPercentual (%)
Total138.31436.81326,6%
Urbanas85.9582.5342,9%
Comunidades rurais41.73126.42163,3%
Áreas de assentamentos4.5433.46176,2%
Terras indígenas3.5372.69076,1%
Áreas de quilombolas2.5451.70767,1%
Fonte: INEP/MEC (Censo Escolar de 2020). Organizado pela DIPECEI/SECADI/MEC em 12.12.2023.

Em relação ao município de Amargosa, um levantamento realizado nesse mesmo período aponta um quantitativo de 20 escolas no campo (Secretaria Municipal de Educação de Amargosa, 2020), sendo que um estudo realizado por Cordeiro (2012) aponta um total de 28 escolas neste mesmo espaço, tendo sido fechadas quase dez escolas em um período de oito anos. Assim como já apontamos, boa parte dessas escolas fechadas são multisseriadas. Mesmo com esse cenário, a configuração de organização que prevalece nas escolas do campo são as turmas multisseriadas, como se pode constatar nos dados da escola pesquisada no ano de 2020 apresentados no Quadro 2.

Quadro 2 – Turmas do Núcleo 02 em 2020 com classes multisseriadas

TotalTurmas multisseriadasPercentual (%
Escolas/Total11763,63%
Deolinda Maia Sales4250%
Artur Almeida Passos3266,66%
Dr. Armando da Silva Libório2150%
Edvaldo Machado Boaventura11100%
Prof. Edelzuito Soares11100%
Fonte: Elaboração própria com base no Censo Escolar de 2020 (2023).

Compreendemos assim que é direito da criança ter um lugar próximo a sua casa para estudar, e que a política do transporte escolar interfere no processo de aprendizagem, visto que os alunos enfrentam grandes percursos, gerando cansaço e desconforto, além dos perigos enfrentados por estas crianças, principalmente nos períodos chuvosos. Outro fator que colabora para a falta de pertencimento está relacionado ao grande número de crianças que residem no campo, mas não estão matriculadas na Educação Infantil. Isso ocorre justamente por não haver oferta dessa modalidade em suas comunidades. Por isso, defendemos as classes multisseriadas como possibilidade de organização pedagógica para esses sujeitos.

Não sejamos ingênuos a ponto de romantizar esse tipo de organização. Precisamos pensar essa organização dentro de um movimento dialético que afirma a sua existência como forma de resistência ao discurso hegemônico de fechamento das escolas do campo. Contudo, não deixando de negar todo o seu histórico de descaso e condições precárias, subsidiado pelo capital, para, enfim, afirmá-lo novamente, enfatizando ser possível, sim, superar o discurso da fragilidade e a visão de que quem estuda em classes/escolas multisseriadas não aprende.

Nesse sentido, afirmamos que esta organização pedagógica não pode ser pautada pela lógica da seriação, por existir toda uma dinâmica, um tempo pedagógico, modos de pensar e agir próprios, exigindo assim um trabalho de formação de professores específico. Mas, para que esse cenário de fato mude, é preciso que maiores investimentos sejam feitos. Aqui não nos referimos a apenas investimentos financeiros, os quais são muito importantes, mas principalmente investimentos acadêmicos, que são responsáveis, em boa parte, por quebrar o silenciamento ainda existente neste contexto. Apesar de, nos últimos anos, a produção acadêmica começar a ter mais ênfase nesta área, podemos afirmar que são poucos os trabalhos especificamente tratando da multisseriação, como registramos no repositório do nosso mestrado, em dez anos, com apenas cinco.

Em relação à formação de professores, a única proposta apresentada pelo Governo Federal para as classes multisseriadas foi o Programa Escola Ativa (1997 a 2012). Na época, tal ação se apresentou como inovadora, mas trouxe uma perspectiva filosófica politicamente conservadora, indo ao encontro do que se pretendia para uma verdadeira Educação do Campo. Essa proposta foi substituída pelo Programa Escola da Terra, instituído pela Portaria n.º 579, de 3 de julho de 2013/MEC, que se constituiu como uma das ações do Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo). Em Amargosa, o curso chegou no final do ano de 2016, com a adesão realizada pelo município, e iniciou as atividades no ano subsequente pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), estabelecendo uma proposta pedagógica pautada na Pedagogia Histórico-Crítica e, consequentemente, no Materialismo Histórico-Dialético.

Assim como outros setores, o programa sofreu influência da articulação de desmonte da educação pública por meio de cortes orçamentários e, na Bahia, o trabalho realizado pela UFBA acabou não tendo um maior alcance. Saviani (2008) aponta a “descontinuidade” como um dos grandes desafios que se lançam sobre a materialidade da ação educativa, pois:

Parece que as nossas iniciativas em educação pecam por uma extrema descontinuidade, e isso, a meu ver, entra em contradição com uma das características próprias da atividade educacional, com uma das características que se insere na natureza e especificidade da educação, que é a exigência de um trabalho que tenha continuidade, que dure um tempo suficiente para provocar um resultado irreversível. Sem se atingir o ponto de irreversibilidade, os objetivos da educação não são alcançados. (Saviani, 2008, p. 109).

Assim, seguimos lutando para que ocorra uma possibilidade material concreta de fortalecimento das classes multisseriadas como políticas públicas, uma vez que, é perceptível a fragilidade desses espaços. Observa-se que essa ausência de uma política forte implica em um eterno recomeçar a cada nova gestão. Pensar a educação requer formular metas em períodos mais duradouros, para proporcionar consistência à ação educativa.

Reflexões da prática educativa

A palavra desafio foi o que direcionou o questionário de entrevista com as professoras quando nos referimos a como é trabalhar em uma escola/turma de Educação Infantil ao 5º ano. Mas, apesar de todos os esforços para organizar o tempo pedagógico tão característico dessa modalidade, podemos notar influência das políticas de regulação ligadas ao projeto de disputa de campo do ideário neoliberal, representadas nas falas das professoras, como podemos constatar na fala da Prof.ª 3:

Desafiante! É uma palavra que caminha com todo professor, pois educar é um ato desafiador. Mas nas classes Multisseriadas o desafio vai ao extremo. Nessa realidade nos reinventamos cotidianamente, pois planejamos e muitas vezes não conseguimos aplicar ou trabalhar com todos os conteúdos. No dia, são 3 conteúdos do ciclo I, 3 do ciclo II e 3 da educação infantil. Quando dá para casar, o planeamento acontece, mas caso contrário, fica impossível. Nem descendo todos os santos do céu o professor consegue dar conta. É desumano, mas por outro lado entendo que as classes multisseriadas são oportunidades de acesso para as crianças, visibilidade e importância da escola das comunidades e, por isso, precisam ser garantidas (Prof.ª 3, 2023).

Notadamente, há um esforço em subverter essa lógica a partir de estratégias que transgridem a fragmentação do conhecimento e compreendem a multisseriação como parte da própria materialidade da Educação do Campo. A denúncia da falta de compromisso do Estado e o anseio por uma formação inicial e continuada que subsidie o trabalho com as classes multisseriadas são pujantes, assim como o esforço em fazer o trabalho fluir. Nesse sentido, destacamos a importância do trabalho coletivo, tendo pares mais experientes como referências para o desenvolvimento de uma pedagogia que dê conta dessa especificidade que envolve as classes multisseriadas, sobretudo aquelas que contemplam a Educação Infantil, como se pode conferir nas falas das Professoras 2 e 4 respectivamente.

Lecionar em classes multisseriadas sempre foi e sempre será desafiador principalmente para quem não tem experiência. Não há receita pronta para lecionar em salas multisseriadas. Sempre procurava saber de colegas o que fazer e como fazer nessa modalidade de turma e a resposta era: “não há receita. Com o tempo você aprende a desenvolver sua própria metodologia”. Com o passar dos anos fui me adequando a realidade e desenvolvendo a minha própria metodologia, principalmente quando tive crianças de Educação Infantil (Prof.ª 2, 2023).

É bastante desafiador porque durante a graduação não tivemos conhecimento sobre essa realidade, como também durante trajetória de ensino não são ofertados cursos de formação continuada para atuar nessas classes. O professor com as suas habilidades tenta da melhor forma possível gerir essa sala aula, buscando referências na voz da experiência daqueles que já trabalham com turmas multisseriadas (Prof.ª 4, 2023).

O que podemos perceber a partir das falas das professoras é que, embora elas enfrentem inúmeros problemas diariamente (desde o pouco espaço da sala de aula, dividido em alguns casos, com materiais que deveriam estar em um depósito; a ausência de materiais didáticos específicos e de orientação pedagógica para a especificidade da multisseriação; e ainda a ausência de um profissional de apoio para as turmas que contemplam a Educação Infantil, etc.), elas buscam e inventam suas próprias estratégias para desenvolver o trabalho nesse formato de organização, como apontam Moura e Santos (2012, p. 14) em um estudo desenvolvido para compreender a prática pedagógica dos professores que atuavam em turmas com esta configuração. Os autores apontam que:

(…) a pesquisa tem nos indicado, a partir das falas e práticas dos professores, é que apesar dos entraves e dificuldades, existe uma pedagogia das classes multisseriadas construída cotidianamente por aqueles que lá atuam. E essa pedagogia parece-nos que dá conta de responder as singularidades da organização do trabalho pedagógico das classes multisseriadas (Moura; Santos, 2012, p. 14).

Embora possamos constatar indicativos da existência dessa “pedagogia das classes multisseriadas”, os problemas existentes e enfrentados cotidianamente pelos professores, e o esquecimento do Estado que alimenta a perversa política neoliberal acaba, por vezes, tomando o lugar do protagonismo docente, que, mesmo remando contra a maré, não consegue enxergar a conjuntura maior do problema.

Como profissional, não vejo ponto positivo em turmas multisseriadas e ainda mais com Educação infantil junto. O trabalho do professor fica a desejar não porque ele quer, mas porque é impossível dar conta das demandas que temos para com os alunos de tantas turmas de variados níveis dentro das próprias turmas em tão pouco tempo. Se ao menos tivesse um professor e um auxiliar na sala, creio que ajudaria muito. Se não tiver alguém para orientá-los, eles fazem as atividades rápido e de qualquer jeito. De imediato eles necessitam de atenção ou terminam sem querer tirando a concentração dos demais (Prof.ª 4, 2023).

Por esse motivo, ressaltamos neste trabalho a importância do desenvolvimento de uma formação docente desvinculada de modelos internacionais, mas comprometida com a classe trabalhadora. Uma formação docente gestada a partir da prática social concreta dos professores, onde “a relação dialética sujeito-objeto, tem como pressuposto que a teoria se altera no trânsito com a realidade, assim como esta se altera com a teoria” (Silva, 2018, p. 335).

Considerações Finais

Procurando atender às proposições iniciais desta pesquisa, as professoras colaboradoras foram envolvidas em atividades formativas de cunho contra-hegemônico. Os debates durante os grupos de estudos, fomentaram desejos entre elas para a implementação da PHC no cotidiano escolar a partir da exposição de suas vivências e dos relatos de experiências.

Durante as lives e oficinas foram abordadas temáticas como: a Educação do Campo e a sua materialidade de origem, perspectivando discutir sobre os espaços que precisamos ocupar; as múltiplas infâncias com intersecção entre a Educação Infantil do Campo, as classes multisseriadas, a formação de professores e o ensino nesse contexto.

Defende-se, portanto, nesta pesquisa, uma formação de professores que articule a teoria com a prática, a fim de garantir o debate engajado com temas caros para a Educação do Campo. Dessa maneira, pode-se construir uma compreensão das especificidades dos processos educativos da Educação Infantil do Campo, com vistas a elaborar orientações pedagógicas na perspectiva da tão sonhada mudança social.

Destaca-se que em muitas comunidades a quantidade de crianças da Educação Infantil do campo é representada por apenas algumas crianças. Isso ocorre devido à baixa taxa de natalidade e, consequentemente, ao envelhecimento populacional, o que em algumas situações acabam por inviabilizar a organização de turmas exclusivas para esta demanda. Defendemos a manutenção das classes multisseriadas não apenas pela sua grandeza nas possibilidades de interlocuções entre os sujeitos que fazem parte delas, mas sobretudo pela garantia da permanência das crianças em escolas no campo. Negar as classes multisseriadas é contribuir com o fortalecimento da política de fechamento das escolas do campo e, consequentemente, com o esvaziamento do campo.

Referências

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Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília-DF: Congresso Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 16 out. 2022.

Marsiglia, A. C. G. (2011). A prática Pedagógica Histórico-Crítica na educação infantil e ensino fundamental. Autores Associados.

Martins, L. M., & Marsiglia, A. C. G. (2014). Contribuições gerais para o trabalho pedagógico em salas multisseriadas. Nuances: Estudos sobre Educação, 25(1), 176-192. https://doi.org/10.14572/nuances.v25i1.2725.

Moura, T. V., & Santos, F. J. de S. (2012). A pedagogia das classes multisseriadas: uma perspectiva contra-hegemônica às políticas de regulação do trabalho docente. Debates em Educação, 4(7), 65-86. https://doi.org/10.28998/2175-6600.2012v4n7p65.

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Saviani, D. (2008). Pedagogia Histórica-crítica: primeiras aproximações (10ª ed.). Campinas-SP: Autores Associados.

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  1. Mestra em Educação do Campo. deisemartasoraia@gmail.com ↩︎
  2. Doutora em Educação. koscordeiro@ufrb.edu.br ↩︎